Se fosse simplesmente pela verdade ela não se refugiaria no recanto dos Envergonhados, donde se põe em um patamar como vitima... sempre vítima: do tio, da cunhada, nora do tio, da amiga de escola e até da única pessoa que lhe deu a mão quando todas as portas se fecharam para ela, que em discurso de expulsão foi chamada de ingrata.
O grande lance desta "mania de ser sempre vítima" nasceu depois que o pai morreu. Nesta situação, realmente foi vítima, como foi uma vítima humilhada, enquanto se julgava amada e namorada de um incerto João.
Ninguém se esconde da verdade, ou da mentira, se esconde quando descoberta as mentiras e reveladas as verdades, por conta de outros valores, como o que estabelece a culpa e a vergonha. Nessas horas a pessoa foge, tem medo de encarar quem ela sabe, que sabe a verdade e conhece as mentiras. Vem a raiva e até tem medo de falar, ainda que seja por telefone. Está sofrida e sofrendo com revelações inusitadas. Foge da realidade como uma droga e, como se estivesse buscando limpar-se a si própria, passa a viver limpando tudo, arrumando... sente-se incompetente em arrumar a cabeça. Sente necessidade de agradar e sem perceber torna-se uma serviçal. Como quem esconde pintos mortos em latas de óleo ela se refugia e encontra apoio de suas "iguais", parceiras dos erros da vida e não de vida. São personagens da comédia humana já conhecidas e, como nunca tiveram a alma desnudada, por que o corpo tantas vezes nú, mostrado, revelado e usado, não causavam mais vergonha. A alma desnudada dói muito que dá vontade de matar que lhe retira as vestes e quem retirou as vestes da alma dela foi a própria consciência que tem das suas próprias verdades, não foi outra coisa. Essas outras coisas são motivadoras. Por exemplo: fugir para o "fim do mundo" é algo que nenhum ser normal deseja, mas um ser em franca regressão, sem ter se libertado da perda de algo, tende a voltar à cena de onde algo seu ficou perdido e tem gente que se perde na infância, tem lugares em que se deixa a infância, tem lugares em que se deixa a inocência. Cada lugar em que estivemos e vivemos é cenário do nosso próprio teatro e tem as dimensões da nossa dor. Sinto ver que existem pessoas que vivem algemadas ao passado e sempre voltam ao lugar em que lhe parece ter acontecido algo, de muito feliz, ou de muito trágico e é preciso - na loucura - recuperar tudo. Assim ME viaja, sonha, regressa no tempo, deseja voltar no tempo e aquele tempo só ela enxerga e mais ninguém. Ela consegue ver o umbuzeiro e seu balanço. No avarandado da casa ela se sente na rede, nos braços do pai. No amanhecer ela vai ao curral da imaginação em busca das tetas da vaca pra extração do leite. Ela, ME, vive esta realidade dela, imaginária e vive a realidade real, de todos nós e só há uma pessoa na vida dela capaz de compreende-la, deixando-a totalmente nua, no corpo, na alma e no coração e ela não tem outra alternativa senão fugir da realidade como uma drogada, como uma covarde e, quando encontrada reaje como uma enferma, ou como fera ferida: torna-se agressiva. Só chora escondida. vive no refugio da própria mentira, onde é aceita como vítima, uma coitadinha. O pior é que é digna de pena mesmo e sofrerá a vida inteira enquanto não se libertar das suas fantasias, das suas mentiras, de suas leviandades, do seu desespero e daquela frase que só ela conhece o significado quando a pronuncia em voz alta: "EU NÃO SEI PORQUE EU PROMETO QUE NÃO VOU MAIS FAZER UMA COISA E ACABO FAZENDO".
Como sou o único a penetrar no mundo exclusivamente dela, tenho que ser repelido como um invasor, mas sou um incomodo invasor de uma privacidade que não é segredo dela porque ela mesmo revela e eu sou o único cara que consegue decodifica-la e ela parte para o mundo da fantasia, que de tanto acreditar ela sai valsando, "se julgando amada pelos bandolins".
Pois é, ME, sua árvore de natal está vazia e você sempre vai ao encontro dela em busca de um presente que um dia sonhou e que nunca recebeu, porque papai noel, o seu, faleceu em 1966, sabia?
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