quinta-feira, 15 de abril de 2010

A cidade dos meus olhos


Faz alguns anos que tenho vivido muito o mundo virtual e me descuidado do mundo real. 

A televisão tá um saco. De um lado evangelizadores e do outro novelas e BBBs.

Preciso sair. Ir ao cinema, ao teatro, a um show que seja do meu agrado. Era bom sair por aí, ver vitrines de lojas nas ruas da cidade, apreciar as mercadorias disponibilizadas pelos camelôs, experimentar uma roupa, ou um sapato, tomar um sorvete na Ribeira, entrar em uma das muitas igrejas que conheço e naquelas que ainda preciso conhecer. 

Os cinemas de bairro morreram, restam as caixas de fósforos dos shoppings. A rua perdeu o glamour. A rua Chile era a passarela da moda e hoje está quase sem vida. O comércio não é mais o mesmo e tem um monte de prédios largados. A sensação é de abandono. O porto insiste em permanecer em local errado e não temos uma via litorânea que interligue a Ribeira a Itapuã. 

Querem uma ponte para Itaparica e o trânsito em Salvador é caótico. Há solução pra tudo e a ligeireza de uma ponte pouco debatida não me parece uma prioridade.
É bem verdade que a Ilha vem sendo devastada e não vejo mais aquele tapete verde que revestia seu belo relevo. A Ilha está ficando careca pelo acentuado desmatamento. Isso não justifica a construção de uma ponte. Existem outras alternativas recomendáveis.

Se for passear pela cidade verei coisas belas, mas não deixarei de verificar os contrastes e contradições nela existentes. 

Passear de carro pela Av. Gal Costa nos conduz a uma cidade - que não deixa de ser bonita - favelizada. Um amontoado de casas, com becos estreitíssimos, escadas, ladeiras sinuosas, como se fosse um cortiço em mega escala. Ali o Estado vive ausente e as leis que imperam são as leis da selva, como se os espiritos dos índios (trucidados) e dos escravos (supliciados) ali se achassem em busca de uma vingança ignóbil, mas vendo aquele mundo à parte, enquanto observo a outra cidade ( rica, ou quase, ou querendo ficar rica)  e acabo por verificar quantos erros cometemos em nosso silencio, de quase conivência, com o "deixa estar" legado pelos governantes e legisladores desta cidade. 

Reclamamos de tudo. Nos queixamos da violência urbana. Nunca procuramos humanizarmo-nos, quanto mais humanizarmos o que precisa; não precisamos de máquinas, mas de humanidade, como diria Chaplin, em seu Último Discurso, de O Grande Ditador.


Não pretendo ser líder de nada, mas devo permanecer atento e cobrar satisfação das autoridades públicas. Pra que eu quero uma ponte se aqui temos tantos e tantos problemas para serem resolvidos? Depois não me venham falar mais em pedágios para transitarmos pelo que deve ser um bem público. Volto ao mundo virtual. Entre o céu e o inferno fico no purgatório.

SPH / LLF

terça-feira, 13 de abril de 2010

Cultura e dependência cultural - Até Quando?

Desde que me entendo como gente a cultura baiana sempre foi regionalizada e, do ponto de vista governamental, relapsa ou quase omissa, na produção cultural.

Somos o berço da civilização brasileira, terra do samba, do axé, da tropicália, do cinema novo, do pai da bossa nova. Mas tudo ainda corre pro lado de lá da antiga capital da república e da sua capital econômica.

Houve uma época, no começo da TV em que tinhamos programas televisivos locais, com bons índices de audiência. Isso era ótimo. Mas, mesmo assim éramos dependentes e atrasados no que concerne a produção de quase tudo.

A primeira novela que assisti foi "A Moça que Veio de Longe", com Rosa Maria Murtinho. Víamos a novela através de videotape; então, o que passava no Rio, só iriamos ver tempos depois. Quem tinha contatos no Rio e São Paulo podia nos adiantar o que iria acontecer nos capitulos seguintes e, mesmo assim, era bom, embora não fosse uma novela baiana. Já tinhamos o grande baiano Dias Gomes.

Tinhamos vários jornais, não eram apenas três, como agora. Eram vários, hoje todos extintos.

Tinhamos que adquirir revistas e jornais produzidos no eixo Rio-São Paulo se quisessemos estar bem informados: Última Hora, Correio da Manhã, dos Monizes, Jornal do Brasil, O Globo e etc.

Tinhamos rádios, todas com elevado nível, mas, vez em quando, quando queríamos saber algo mais tinhamos que sintonizar o rádio nas ondas curtas.

Era possivel ouvir´a rádio globo do Rio em amplitude modulada. Ainda não havia freqüência modulada.

Comprava-se fotonovelas e revistas do gênero Capricho, Intervalo, Sétimo Céu, Fatos e Fotos, O Cruzeiro, Manchete. Tempos depois nasceu a Veja, A Realidade, Isto É.

Jornais alternativos de oposição ao regime militar que tinhamos pra ler eram o Movimento, Pasquim, Opinião. E olhe que nessa época tinhamos inúmeros baianos nas diversas organizações clandestinas de esquerda, que até poderiamos arriscar dizer que éramos o centro das decisões nacionais. Mas tudo acontecia fora daqui.

Se quissessemos estar atualizados tinhamos que comprar tudo o que era produzido no eixo Rio São Paulo.

Em matéria de TV somos meros retransmissores do que acontece fora da nossa fronteira.

Recordo o quanto fiquei feliz em ver Caetano Veloso e Gilberto Gil despontando no cenário nacional, através da mídia televisiva. Um com Alegria, Alegria, finalista do Festival (produzido fora e todos nós focados pra fora da nossa realidade), enquanto Gil estourava com Domingo no Parque. Estavamos presentes em tudo, mas lá fora das nossas fronteiras. O sucesso estava por lá!

Era bom saber que eles estavam fazendo sucesso fora da Bahia. Betânia nos encheu de orgulho quando despontou cantando magnificamente Carcará. Fiquei feliz em ver Rauzito, dos Panteras, ressurgindo com Ouro de Tolo, mas o sucesso dele nascia fora da Bahia, com muito sacrificio.

João Gilberto era baiano e pai da bossa nova, mas fez sucesso fora daqui. Os bons profissionais, que desejavam e aspiravam um crescimento maior, deslocavam-se para o Rio, ou São Paulo.

Brasilia era apenas a sede oficial do governo, mas parecia que tudo girava em torno do Rio e São Paulo. Hoje, ainda continua sendo assim.

Quem quer aparecer nacionalmente tem que ir pra Globo, ou aparecer no Faustão, ou outras emissoras de menor audiência.

Temos aqui na Bahia tantos bons talentos e eles só vão fazer sucesso fora da Bahia, ou só decolam quando passam por lá.

Em matéria de revistas, confesso que sou dependente compusório de revistas que não nos diz respeito.

Vivemos a realidade do eixo Rio-São Paulo. Não fosse a internet eu estaria desfocado do meu meio social e da realidade que me cerca e, mesmo assim, pra saber mais, tenho que recorrer ao jornalismo do que outrora poderíamos chamar de sulista, no tempo em que o Brasil tinha Leste e Oeste.

Os programas locais que temos são chochos e temos que aplaudi-los pois é o que temos. O resto é o que vem de lá de fora, de outras culturas. Sabemos mais o que acontece no Rio, São Paulo e no mundo, do que o que acontece na Bahia.

Somos um povo focado no que acontece no Rio e São Paulo, apenas com alguns realces regionais básicos, pra o leitor não ficar desapontado, achando que não existimos no mundo das notícias.

Existimos para o mundo empresarial, mas não temos nossas próprias novelas próprias, verdadeiros dramas pessoais, e que só são aproveitadas para as fofocas provincianas.

Temos o Olodum Teatro e a Banda do Olodum que são excelentes; temos uma Escola de música e de Teatro da melhor qualidade, temos tudo e não temos nada depois que passa o carnaval. Importamos muita cultura e exportamos muito pouco.

E aí, eu fico a me perguntar, o que é que eu vou ver na televisão, além do jornal local?

Vou comprar jornais do "sul" nas bancas de revistas, além do jornal local da minha preferência.

O que aqui se faz, aqui morre no nascedouro, ou sobrevive por teimosia, até acabar um dia.

Se deseja sucesso o caminho ainda é por lá, depois volte pra cá e recolha-se em sua casa de férias.

Agora estou lendo Época e a tragédia acontecida no Rio, deixando de saber que bem perto de mim, tantas tragédias estão ocorrendo; mas aprendemos a ficar focados fora daqui, em uma especie de aculturamento discreto e quase imperceptivel.

Agora, o interessante é que tudo acontece primeiro na Bahia, seja coisa boa ou ruim, tem que acontecer na Bahia.

Temos o talento e a vocação pra tudo e somos totalmente monopolizados pra viver fora de foco e descentrados, com mentalidade provinciana, sempre na dependência cultural do que é feito por lá e não aqui. Nossa cultura é contraditória, anacrônica e cheia de idiossincrasias. Até quando?
Mario Quintana que diga: eles passam, eu passarinho

O pior é que nos acostumamos a viver assim e não fazemos nada para mudar. Para conhecermos melhor a chula, o maculelê, as belezas desta terra, nossa história e o nosso meio artistico, intelectual e social.

A partir do momento em que passamos à condição de retransmissores de sinais, passamos a condição de público cativo dos Faustões e dos Silvios e Datenas, pra não elencar todos os demais.

Sobra-nos Bocão e Varela e na Mira, que cultuam e sobrevivem da exploração sensacionalista do mundo do crime.

Agora, o pior de tudo é que eles, lá do antigo "sul" são dependentes do mundo estrangeiros e, em matéria de cinema nacional progredimos, mas prevalecem os enlatados pra TV, que cultuam a violência como um bê-a-bá de incentivo a criminalidade.

Até quando permaneceremos assim ? Aceito críticas e retoques, mas, em suma, somos mesmo culturalmente dependentes, até nas publicações de livros, que se restrigem a uma produção muito tímida e limitada e voltada para a burguesia local.
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