quinta-feira, 21 de abril de 2011

Dicionário de Voltaire


FALSIDADE DAS VIRTUDES HUMANAS

Quando o duque de La Rochefoucaud escreveu os seus pensamentos sobre o amor próprio, pondo a descoberto esse impulso do homem, um senhor Espírito, do Oratório, escreveu um livro capcioso intitulado: Da falsidade das virtudes humanas. Diz esse Espírito que a virtude não existe; mas, por graça termina cada capítulo reconsiderando a caridade cristã. Assim, segundo o senhor Espírito, nem Catão, nem Aristides, nem Marco Aurélio, nem Epicteto foram pessoas de bem; estas apenas podem ser encontradas entre os cristãos. Entre os cristãos, apenas os católicos são virtuosos ; entre os católicos seria ainda necessário excetuar os jesuítas, inimigos dos oratorianos; portanto a virtude não se acha senão entre os inimigos dos jesuítas.

Esse senhor Espírito começa por dizer que a prudência não é uma virtude, e a razão é o ser freqüentemente enganada. É como se se dissesse que César não foi um grande capitão por ter sido derrotado em Dirráquio.

Se o senhor Espírito fosse um filósofo, não teria examinado a prudência como uma virtude e sim como um talento, como uma qualidade útil, feliz: pois um celerado pode ser prudente e eu conheci gente dessa espécie. Que infâmia pretender que ninguém pode ter virtude senão nós e nossos amigos!(30).

Que é a virtude, meu amigo? É praticar o bem: pratiquemo-lo e será o suficiente. Então, nós te explicaremos o motivo. Como! Segundo teu modo de ver não existiria nenhuma diferença entre o presidente de Thou e Ravaillac, entre Cícero e esse Popílio ao qual ele salvou a vida e que lhe cortou a cabeça por dinheiro? E considerarás Epicteto e Porfírio libertinos por terem seguido os nossos dogmas? Tamanha insolência revolta. E não vou adiante para não perder as estribeiras.

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