O comportamento sexual pode ser reflexo de um aspecto hereditário, de um aspecto médico, cultural, circunstancial, etário e pessoal. É muito complexa a questão sexual, seja do ponto de vista qualitativo ou quantitativo. Esse artigo privilegia a questão quantitativa, ou seja, quanto de atividade sexual seria normal e quanto seria patológico, para mais ou para menos. Veremos aqui as alterações para mais, ou seja, a hipersexualidade.
O Impulso Sexual Excessivo aparece na população geral em torno de 5%, segundo Coleman (1992). Essa prevalência pode estar subestimada, tendo em vista as limitações morais, por embaraço, vergonha e sigilo dos envolvidos (Black et al., 1998). Há discreta preponderância do sexo masculino (Goodman, 1993), o que também é questionável, levando-se em consideração possíveis interferências de cunho moral e cultural.
Uma questão primeira a ser valorizada, é o fato de muitos pacientes com sintomas hipersexuais não apresentarem nenhuma evidência visível de outra disfunção neuropsiquiátrica. Outros podem ter evidências sutis de algum comprometimento neuropsiquiátrico e, finalmente, alguns de franco comprometimento neuropsiquiátrico. A dúvida que nos apresenta é: naquelas pessoas sem nenhuma evidência de outra disfunção neuropsiquiátrica além da atividade sexual numericamente incomum, estaria correto pensarmos numa patologia, ou seja, estaríamos diante de uma condição médica, ética ou simplesmente pessoal?
Para ser tomado como algo patológico, segundo os autores e as diretrizes da psicopatologia, o Comportamento Sexual Compulsivo deveria causar sofrimento emocional e proporcionar sérias conseqüências interpessoais, ocupacionais, familiares e financeiras. Mesmo assim estaríamos diante de um critério polêmico, pois se há uma sexualidade patológica, na qual o apetite e as fantasias sexuais aumentam a tal ponto que ocupam quase todos os pensamentos e sentimentos, estaríamos sim diante de um quadro Obsessivo-Compulsivo com sintomatologia sexual. Por outro lado, se estivermos diante de uma pessoa que exige gratificação sexual sem maiores considerações éticas, morais e legais, resolvendo-se numa sucessão impulsiva e insaciável de prazeres, aí então estaríamos diante de um Transtorno Sociopático ou Borderline da Personalidade, com sintomas também sexuais.
Continuando nossa revisão, o Comportamento Sexual Compulsivo pode se associar a outras doenças psiquiátricas, particularmente ao abuso de substâncias psicoativas, atualmente à cocaína. Transtornos Ansiosos, Transtornos de Personalidade e outros Transtornos do Controle de Impulsos também podem ser concomitantes ao Comportamento Sexual Compulsivo (veja Transtornos do Controle de Impulsos). Para se tentar alocar o Transtornos do Controle de Impulsos dentro dos Transtornos de Controle de Impulsos, devemos lembrar que suas características essenciais dos são; o fracasso em resistir a um impulso ou tentação de realizar algum ato que seja prejudicial à pessoa ou a outros, com ou sem resistência consciente ao impulso e com ou sem premeditação ou planejamento do ato, sensação crescente de tensão ou excitação antes de cometer o ato e uma experiência de prazer, gratificação ou alívio no momento de cometer o ato.
Black e cols. analisaram 36 pessoas com Comportamento Sexual Compulsivo e verificaram que a maioria delas (92%) estava realmente preocupada com seus desejos exacerbados e/ou com suas persistentes fantasias sexuais. A maior parte dessas pessoas tentava resistir ao comportamento sexualizado (72%), embora sem sucesso e com perda de controle. Grande parte delas experimentava remorso pelas atividades sexuais exageradas, impulsivas, não resistidas e, muitas vezes, inconseqüentes.
Uma observação adicional mostrou que a maioria desses pacientes com Comportamento Sexual Compulsivo (75%) também preenchia os requisitos para diagnóstico de abuso de substâncias psicoativas. Estas estariam relacionadas à desinibição do comportamento suficiente para permitir a intensificação do prazer ou aplacar a sensação de vergonha. (Fonte:Neuropsiconews)
Os prejuízos sócio-ocupacionais com o Comportamento Sexual Compulsivo incluem gastos financeiros, a traição as(os) parceiras(os), perda de amigos ou a experiência de vergonha. Pouco mais de 42% dessas pessoas reconheceram que esse comportamento sexual afetava o casamento ou relacionamentos importantes e, um quarto dos casos, sentia que o Comportamento Sexual Compulsivo tinha afetado seu trabalho. A pesquisa apontou ainda que 19% dos portadores de Comportamento Sexual Compulsivo tinham tentado o suicídio. As complicações legais também eram uma preocupação para vários pacientes.
Seria o Transtorno Sexual uma atitude Adictiva?
Fenichel usou o termo adicção sexual aproximadamente há 50 anos para comparar sintomas sexuais com a mesma conotação que dava à adicção através do uso de quantidades crescentes de uma droga (dependência com tolerância). Há alguns anos, o antigo DSM-III-R (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 3a. edição revisada) empregou o termo Adicções Sexuais Não-Parafílicas para descrever pacientes que pudessem satisfazer os critérios para um Transtorno Sexual Não Especificado de outro modo.
Goodman (1993) argumenta que, do ponto de vista fenomenológico, os transtornos aditivos situam-se na intersecção de transtornos compulsivos, os quais envolvem redução da ansiedade através de uma atitude, e transtornos impulsivos, os quais envolvem a gratificação através do exercício de um impulso. Além disso, ele argumentou que esse conjunto de sintomas é embasado por mecanismos neurobiológicos, inclusive através do envolvimento dos sistemas serotoninérgico, noradrenérgico, dopaminérgico e de opióides.
Outros autores argumentam que o termo adicção deveria ser monopólio dos transtornos causados pelo uso de substâncias. A neurobiologia do abuso de substâncias tem sido relativamente bem estudada, mas ainda não é perfeitamente evidente que os mecanismos envolvidos na drogadicção sejam os mesmos envolvidos na hipersexualidade.
Seria o Transtorno Sexual uma atitude Impulsiva?
Poderíamos começar perguntando se a própria atividade sexual não seria impulsiva. Alguns autores observaram que os sintomas da hipersexualidade poderiam satisfazer plenamente os critérios do DSM-III-R para um Transtorno de Controle de Impulsos. Tal comportamento sexual costuma envolver uma falha ou impotência do paciente em resistir aos impulsos, uma sensação de tensão antes do comportamento e uma experiência de alívio, depois que o comportamento fosse realizado. Também como no Transtorno de Controle de Impulsos, depois do comportamento sexual impulsivo, costuma haver sentimentos de vergonha e culpa (Barth, 1987). Vários outros autores têm usado o termo Impulsividade Sexual com base nessa sucessão de eventos.
Além disso, transtornos comórbidos em pacientes com sintomas hipersexuais parecem semelhantes aos de outros Transtornos do Controle de Impulsos. Há evidências do envolvimento serotoninérgico nos transtornos de controle de impulsos, e os agentes serotoninérgicos podem ser úteis em sintomas hipersexuais mesmo que os efeitos não sejam tão fortes e ansiosos quanto nos transtornos do afeto.
Outros transtornos, como por exemplo o abuso de substâncias e a bulimia provavelmente também satisfazem os critérios diagnósticos do DSM-III-R para o grupo dos Transtornos do Controle de Impulsos (veja Transtornos do Controle de Impulsos).
Critérios de diagnóstico propostos para os transtornos hipersexuais
1. A existência de fantasias sexualmente excitantes recorrentes e intensas, impulsos ou comportamentos sexuais que persistam durante um período de pelo menos seis meses e se encaixem na definição de parafilias. 2. As fantasias, impulsos ou comportamentos sexuais causam desconforto ou comprometimento clinicamente significativo na área social, ocupacional ou outras áreas importantes. 3. Os sintomas não encontram causa em outros transtornos, como por exemplo, no Episódio Maníaco. 4. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (abuso de droga ou medicamento) ou à afecção clínica geral.
A Quantidade de Sexo Normal - Escape Sexual Total (EST)
As pesquisas científicas sobre sexualidade costumam referir-se à quantidade de atividade sexual com o termo Escape Sexual. Este é um conceito para referir a iniciativa e efetivação de uma atividade sexual com orgasmo. O número do Escape Sexual Total (EST) é a quantidade de orgasmos atingidos durante algum tempo estabelecido, como por exemplo, Escape Sexual Total semanal, mensal, anual, etc. Dessa forma o EST semanal deverá refletir a prevalência de Comportamento Sexual Compulsivo entre homens.
Kinsey (Wyatt, 1988), que desenvolveu o conceito de EST, relatou que o EST semanal mediano foi de 2,14 para homens entre a adolescência e a idade de 30 anos, e de 1,99 para todos os homens em geral. No Brasil essa média é de 3, segundo pesquisa da Pfiser (veja A Vida Sexual do Brasileiro). Analisando esses e outros dados, Kafka sugeriu que um EST semanal de 7 ou mais poderia ser usado para definir comportamento hipersexual nos homens.
De fato, não existe um consenso sobre a possibilidade da alta freqüência de comportamento sexual ser, automaticamente, considerada patológica. Mas alguns autores dizem que esse raciocínio é o mesmo empregado para considerar patológicos outros comportamentos impulsivos de alta freqüência, como por exemplo, a hiperfagia (comer demais e compulsivamente), hipersônia (dormir demais), jogo patológico (jogar compulsivamente), etc. Desta forma a hipersexualidade refletiria claramente uma má adaptação sempre que resultasse de um Comportamento Sexual Compulsivo, com sofrimento subjetivo, incapacidade psicossocial ou perda de controle (Kafka e Prentky, 1998). Vamos ter para nós, então, que seria patológica (mórbida) a sexualidade capaz de produzir sofrimento na pessoa ou nas pessoas de seu entorno.
Comportamento Sexual Compulsivo e Parafilia
Parafilia é o termo atualmente empregado para os transtornos da sexualidade, anteriormente referidos como “perversões”, uma denominação ainda usada no meio jurídico. Estudar as Parafilias é conhecer as variantes da sexualidade e do erotismo em suas diversas formas de estimulação e expressão comportamental. É muito difícil conceituar a sexualidade normal (veja artigo O Normal em Sexualidade), a ponto de o médico inglês Havelock Ellis ter dito que “todas as pessoas não são como você, nem como seus amigos e vizinhos, inclusive, seus amigos e vizinhos podem não ser tão semelhantes a você como você supõe.”
As Parafilias são fantasias sexualmente excitantes, são desejos sexuais fortes ou, ainda, comportamentos envolvendo objetos não-humanos, sempre recorrentes e intensos. Essas parafilias podem causar sofrimento e humilhação ao paciente, a seu parceiro(a), filhos, familiares, bem como envolvimentos policiais e judiciais. Atualmente, entretanto, os sintomas das parafilias podem envolver outros padrões culturalmente questionáveis, como é o caso da masturbação repetitiva, pornografia pela Internet, hipersexualidade, etc (Veja outro texto sobre Parafilias)
A hipersexualidade, por sua vez, seria um aumento da sexualidade (desejo, fantasias e atividade) para além do socialmente habitual. Os sintomas hipersexuais têm sido rotulados como compulsivos, impulsivos ou, tal como acontece com o vício do jogo ou das drogas, adictivos. Evidências cada vez mais numerosas apóiam a existência de uma síndrome caracterizada por fantasias sexualmente excitantes recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos não normais mas, não obstante, envolvendo padrões que escapam dos conceitos e definições da parafilia (no caso do Transtorno Hipersexual sem Parafilia), ou seja, que escapam aos conceitos e definições das aberrações do ato e do desejo sexual.
Apesar desses comportamentos hipersexuais serem distintos da parafilia, há, contudo, alta comorbidade com ela (alta comorbidade = a hipersexualidade aparece junto com outras parafilias com freqüência). Conquanto tais sintomas tenham sido rotulados como compulsão ou adicção sexual, esses termos são problemáticos. A moderna classificação das doenças mentais tem negligenciado este transtorno, embora o DSM.VI (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 4a. edição), da Associação Psiquiátrica Norte-Americana, inclua os comportamentos hipersexuais como um exemplo dos transtornos sexuais não especificados.
Classificação
No CID.10 (Classificação Internacional de Doenças, 10a.revisão), em F52 é classificado o Apetite Sexual Excessivo, com duas subclassificações; Satiríase e Ninfomania, para homens e mulheres respectivamente. De qualquer forma, alguns autores requerem que esse transtorno seja classificado como uma das parafilias ou relacionado a elas. Na ausência de um conhecimento mais abrangente sobre esse transtorno, sugere-se que seja simplesmente denominado de Transtorno Hipersexual, havendo quem classifique de Transtorno Hipersexual com Parafilia e Transtorno Hipersexual sem Parafilia. Essa última maneira seria preferível.
A ninfomania, significa um desejo excessivo ou patológico pelo coito, em uma mulher e, uma outra denominação de Satiríase seria o Don Juanismo (veja), o equivalente para o homem. Esses transtornos eram já citados no DSM-III (anterior ao DSM.IV), no capítulo das "disfunções psicossexuais". Trata-se de uma condição na qual há "sofrimento acerca de um padrão de relacionamentos sexuais repetidos, envolvendo uma sucessão de amantes, sentidos pelo indivíduo como coisas a serem usadas".
Pode-se, ainda, pensar em diversos subtipos do Transtorno Sexual Hiperativo (ou Impulso Sexual Excessivo). Segundo Coleman (1992) seriam:
a) sexo compulsivo e múltiplos parceiros;
b) fixação compulsiva na obtenção de um parceiro inatingível;
c) masturbação compulsiva,
d) compulsão por múltiplos relacionamentos afetivos;
e) sexo compulsivo com um único parceiro.
As dependências de formas anônimas de sexo, como o sexo por telefone e a pornografia, também entrariam no rol das Dependências Sexuais Não-parafílicas (Kafka, 1991). Porém, para Stoller (1975) e Money (1986) trata-se, inclusive, de um subtipo de parafilia. Kafka (1991) propõe um critério no qual a performance sexual total individual conste de sete ou mais orgasmos por semana, por um período mínimo de doze semanas consecutivas, após os quinze anos de idade.
De modo geral, a questão de como categorizar melhor este transtorno permanece polêmica. Os termos ninfomania e donjuanismo podem ter ajudado a focalizar o esforço dos médicos e a pesquisa nesta área, mas esses rótulos têm ares pejorativos ou conotação de “senvergonhice”. (Veja Síndrome de Dom Juan). Os comportamentos sexuais nas parafilias costumam ser ritualísticos, ocultos e dissimulados, o que nem sempre (ou quase nunca) acontece no Comportamento Sexual Compulsivo.
Comportamento Sexual Compulsivo e TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo)
Popularmente o termo obsessão, aplicado ao sexo, pode ser usado para designar uma preocupação sexual excessiva. O uso do termo nesse contexto desperta, sem dúvida, a antiga idéia de que paixão e loucura são vizinhas. A idéia de que alguns transtornos sexuais, notadamente a hipersexualidade, sejam de natureza obsessivo-compulsiva tem surgido mais recentemente na literatura médica.
Vários transtornos caracterizados por comportamentos repetitivos e impulsivos, particularmente compras compulsivas, cleptomania e jogo patológico se colocam junto ao TOC atualmente. Alguns desses Transtornos do Controle dos Impulsos, notadamente a Tricotilomania (arrancar pelos, cabelos) e a Onicofagia (roer unhas), como o próprio TOC, respondem bem a um inibidor da recaptação de serotonina, e não a um inibidor da recaptação da noradrenalina.
Muito embora 15% dos portadores de Comportamento Sexual Compulsivo possam ser portadores de Transtorno Obsessivo-Compulsivo da Personalidade (como veremos adiante), parece que a hiperatividade sexual e o TOC são, de fato, condições psiquiátricas diferentes. Uma das diferenças de morbidade entre o Comportamento Sexual Compulsivo e o Transtorno Obsessivo-Compulsivo seria o fato de, no TOC, os sintomas sexuais costumam, tipicamente, provocar ansiedade, nesse caso, causando algum tipo de sofrimento ao paciente, portanto, chamados comportamento e/ou sentimento egodistônico. No Comportamento Sexual Compulsivo, por outro lado, mais freqüente é que os sintomas hipersexuais possam ser agradáveis ao paciente, portanto, egosincrônico. Levado esse fato ao pé da letra e, obedecendo recomendações do CID.10 sobre excluir do patológico aquilo que não faz sofrer a pessoa ou seu entorno, então não estaríamos autorizados a considerar um transtorno uma variação do comportamento humano.
Outra diferença é que, no TOC, invariavelmente o paciente tenta neutralizar os pensamentos intrusivos (obsessivos) com toda sua força, mas no Comportamento Sexual Compulsivo o paciente costuma dar várias explicações para seus pensamentos e seu comportamento “assanhado”, principalmente quando são estimulados por uma cultura que glorifica a performance sexual como a nossa.
O que confunde esses dois conceitos (TOC e CSC) é que, em grande número de pacientes com TOC, existem idéias obsessivas também de conotação sexual. Nesses casos, os sintomas hipersexuais respondem relativamente bem ao tratamento com ISRSs (antidepressivos), mas a hipersexualidade do Comportamento Sexual Compulsivo não.
Comportamento Sexual Compulsivo e outros transtornos emocionais
Carnes relatou, a partir de uma pesquisa com quase 1.000 pessoas internadas para tratamento por adicção ao sexo tinham, concomitantemente, outras adicções (veja tabela abaixo). Mais tarde, Carnes e Delmonico relataram números semelhantes numa pesquisa com 290 adictos ao sexo em recuperação. Em outro estudo, 70% dos adictos a cocaína que entraram num programa de tratamento sem internação relataram ter adição ao sexo.
Concomitância Comportamento Sexual Compulsivo e Outras Adicções
Outra Adicção Carnes Delmonico
Dependência Química 42% 39%
Transtorno Alimentar 38% 36%
Trabalhadores Compulsivos 28% 28%
Gastadores Compulsivos 26% 23%
Jogadores Compulsivos 5% 4%
Comportamento Sexual Compulsivo e Transtornos de Personalidade Black e cols. Os investigadores avaliaram os participantes quanto aos transtornos de personalidade usando critérios definidos no DSM.III.R, bem como outros métodos. Quando foi usada a Entrevista Estruturada para Transtornos de Personalidade do DSM-III-R, 83% satisfizeram os critérios para pelo menos um transtorno de personalidade, enquanto 82% satisfizeram os critérios para pelo menos um transtorno de personalidade usando uma versão revisada do Personality Diagnostic Questionnaire. Por meio de um consenso de ambos os instrumentos, os participantes satisfaziam os critérios para pelo menos um transtorno de personalidade, mais comumente os transtornos eram dos tipos histriônico (21%), paranóide (15%) e obsessivo-compulsivo (15%). (Fonte:Neuropsiconews)
Há muito se tem descrito pacientes, ou melhor, pessoas cujos sintomas compreendem exclusivamente em fantasias sexualmente excitantes recorrentes e intensas, impulsos ou comportamentos hipersexuais. Alguns descrevem uma sexualidade patológica, na qual o apetite sexual aumenta anormalmente a tal ponto que ocupa quase todos os pensamentos e sentimentos, não permitindo que a consciência tenha liberdade de desvencilhar-se deles. Seria como um estado de “cio”, exigindo gratificação sexual sem maiores considerações éticas, morais e legais, resolvendo-se numa sucessão impulsiva e insaciável de prazeres sexuais.
O Comportamento Sexual Compulsivo afeta de 3% a 6% da população, predominantemente homens, e costuma ter início no final da adolescência ou no início da terceira década, sendo sempre de natureza crônica, com períodos episódicos de maior agudização. Essas cifras, por si só, não sugerem absolutamente nada, uma vez que podemos ter igual incidência de pessoas que pensam exageradamente e/ou praticam exageradamente a religião, o esporte, a arte ou qualquer outra atividade do universo humano. A diferença seria eminentemente ética e não médica.
Apesar dos transtornos caracterizados por hipersexualidade terem sido descritos há muito tempo e de continuarem a ser assunto de grande interesse clínico, as condições nosológicas dessas afecções permanecem controversas e obscuras.
O Comportamento Sexual Compulsivo se caracteriza por comportamentos sexuais impróprios, exagerados ou cognições que causam sofrimento subjetivo e comprometimento das funções ocupacional e interpessoal. O transtorno apresenta um desafio aos pesquisadores devido às discórdias sobre a definição de suas características principais e da amplitude de seu espectro.
Ao discutir o Comportamento Sexual Compulsivo, devemos levar em conta que esse conceito tende, se não for bem criterioso, a incluir todo o comportamento sexual. Embora sua amplitude ainda seja controversa, alguns investigadores acreditam que o Comportamento Sexual Compulsivo seja composto por padrões anormais de excitação e de comportamento sexuais, quando conseqüentes de parafilias, bem como de padrões normais de excitação e comportamento sexuais que se tornaram exagerados, transformando-se em Comportamento Sexual Compulsivo relacionados a parafilia ou não-parafílico.
Os sintomas hipersexuais têm sido comparados a uma espécie de adicção, mais precisamente, como uma “adicção sexual não-parafílica”. Outros autores têm usado termos como compulsivo, impulsivo e aditivo para descrever esses transtornos.
Carnes (2000) estabelece um ciclo em quatro etapas para o Comportamento Sexual Compulsivo;
A primeira etapa é a preocupação, na qual a pessoa apresenta um afeto semelhante ao do transe, estando completamente absorta em pensamentos de sexo e partindo para busca obsessiva de estimulação sexual.
A segunda etapa é uma ritualização, na qual a pessoa desenvolve uma rotina que leva ao comportamento sexual. O ritual serve para intensificar a excitação.
A terceira etapa é da gratificação sexual, mediante o ato sexual em si, onde a pessoa se sente incapaz de controlar seu desejo.
A quarta etapa, o desespero, vem após o Comportamento Sexual Compulsivo e se caracteriza por uma sensação de impotência e desânimo.
Esse autor termina observando que as pessoas com Comportamento Sexual Compulsivo gastam uma quantidade enorme de energia emocional para manter secretos seus comportamentos e inclinações sexuais, levando, paradoxalmente, ao isolamento social e sexual.
A hipersexualidade pode refletir, muitas vezes, uma desinibição típica de alguns transtornos do Lobo Frontal e não, invariavelmente, um aumento do impulso sexual. Por exemplo, a desinibição e hipersexualidade foram relatadas em casos de lesões frontais e peri-ventriculares da esclerose múltipla. Semelhantemente, tem havido casos de desinibição e hipersexualidade depois de lesões frontais basais e, também, podem ocorrer desinibição e hipersexualidade no contexto da demência.
Já existem crescentes evidências de que os circuitos corticoestriatais estejam envolvidos no Transtorno Obsessivo Compulsivo e em afecções relacionadas, como aquelas consideradas do Espectro Obsessivo-Compulsivo.
Blum (2000), observou que a coprolalia e copropraxia no Transtorno de Tourette e o aumento do impulso sexual e das parafilias associavam-se ao grau de carga para o(s) gene(s) do Transtorno de Tourette. Ademais, relatou-se a resposta dos sintomas do Transtorno de Tourette depois do uso de antidepressivos inibidores de recaptação da serotonina e dos bloqueadores da dopamina, sugerindo que os sintomas hipersexuais do Transtorno de Tourette, assim como os tiques e sintomas de Transtorno Obsessivo Compulsivo, por vezes podem ser atribuídos a disfunções geradas internamente ou padrões de resposta comportamental.
Dessa forma, sintomas hipersexuais e parafilias também podem estar presentes em alguns pacientes com Transtorno Obsessivo Compulsivo mas, nesses casos, sua fenomenologia parece diferir daquela de obsessões e compulsões clássicas. Os pacientes com Transtorno Obsessivo Compulsivo tipicamente descrevem os sintomas, inclusive as obsessões sexuais, como de natureza intrusiva e imprópria.
Num pequeno número de casos com Transtorno Obsessivo Compulsivo e hipersexualidade ou parafilia, o tratamento com antidepressivos inibidores de recaptação da serotonina ocasionou uma resposta diferencial de sintomas de Transtorno Obsessivo Compulsivo, que muitas vezes responderam bem e os sintomas de hipersexualidade ou parafilia, nos quais a resposta foi bem menos evidente>(Comings, 1999).
Há relatos (Neuropsiconews ) de sintomas de hipersexualidade em pacientes portadores de disfunção estriatal, como por exemplo, na Doença de Huntington Doença de Wilson e na Doença de Parkinson pós-encefalítico. Além disso, muitos pacientes com doença de Parkinson apresentaram aumento do comportamento sexual depois de tratamento com L-dopa. Como esses tratamentos resultam num aumento da atividade da dopamina, supõe-se que a inervação dopaminérgica do estriado ventral é importante na mediação de comportamentos sexuais.
O aumento do impulso sexual pode ser, ainda, um dos sintomas próprios do Episódio Maníaco ou outros transtornos psicóticos, sendo possível que alguns sintomas hipersexuais, como por exemplo, a masturbação compulsiva, se associem à depressão. Muitos episódios com sintomas hipersexuais respondem à farmacoterapia antimaníaca. Os antidepressivos também podem ser úteis em pacientes com hipersexualidade comórbida com transtornos do afeto. Entretanto, é muito discutível que os antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina e os bloqueadores da dopamina são eficazes no tratamento de hipersexualidade sem uma aparente base neuropsiquiátrica.
Abuso sexual
O abuso sexual na infância tem sido um tema muito estudado e muito perscrutado sobre suas relações causais com o comportamento sexual do adulto. Alguns autores acham que o abuso sexual na infância possa ser um fator de risco para o desenvolvimento de Comportamento Sexual Compulsivo (Murphy, 1986). Nesse esquema, desenvolve-se Comportamento Sexual Compulsivo como meio de lidar com afetos e sensações desconfortáveis, tais como a baixa auto-estima, vergonha e ansiedade crônica.
Embora sejam limitadas as evidências que sustentam esse ponto de vista, Carnes e Delmonico relataram que, de uma amostra de 290 pessoas tratadas de adição ao sexo, 78% mencionaram abuso sexual na infância. Outros autores citam números bem menores desses antecedentes sexuais traumáticos, algo em torno de 28 a 31% (Prentky, Burgess, 2000).
Embora alguns autores se proponham a relacionar o abuso sexual na infância com o Comportamento Sexual Compulsivo, o fato de esses abusos serem relativamente comuns na população geral e entre pacientes psiquiátricos, a eventual relação causal entre eles fica seriamente prejudicada.
Sistema Têmporo-límbico e Hipotálamo
Estudos pré-clínicos em animais têm demonstrado uma mediação de sintomas hipersexuais pelo Sistema Temporolímbico. Têm sido desencadeadas ereções em primatas por estimulação direta do Sistema Límbico. A hipersexualidade tem sido documentada em ratos depois de crises límbicas crônica e artificialmente induzidas. Verificou-se que lesões bilaterais dos lobos temporais resultam na síndrome de Klüver-Bucy, caracterizada por comportamento hipersexual e outros desequilíbrios do comportamento social. Lesões específicas do Sistema Límbico, como lesões da área septal, também têm demonstrado levar a aumento do comportamento sexual.
Estudos de estimulação elétrica têm confirmado que estruturas límbicas, particularmente a área septal, associam-se a intenso prazer. A síndrome de Klüver-Bucy tem sido relatada no homem>(Duggal, 2000). Nela, contudo, podem ocorrer alterações da preferência sexual mais comumente do que hipersexualidade isolada. Relata-se hipersexualidade depois de tumores do lobo temporal, de lesão septal ou de AVC do lobo temporal. Relatou-se erotomania em pacientes com disfunção frontal e temporal.
Sexualidade e Lobo Frontal
A relação entre transtorno cerebral disrítmico e transtornos sexuais tem sido estudada há muito tempo. Muitos estudos verificaram uma associação entre Epilepsia do Lobo Temporal e hipoatividade sexual, enquanto foi menos comumente relatada uma associação com hiperatividade sexual ou parafilia. Todavia, em vários casos mais antigos, notaram-se parafilias em pacientes com Epilepsia do Lobo Temporal e um estudo antigo de pacientes com Epilepsia do Lobo Temporal verificou que as parafilias associavam-se a lesão do lobo temporal.
Demerdash e cols. verificaram que, em mulheres com Epilepsia do Lobo Temporal, eram comuns a hipossexualidade e o exibicionismo, associando-se a anormalidades eletroencefalográficas do lobo temporal (Demerdash, 1991). Também pode ser visto aumento do comportamento sexual logo depois da convulsão, sugerindo a desinibição de outras estruturas na Epilepsia do Lobo Temporal.
Mas, se existe alguma dificuldade em associar disritmia cerebral e alterações sexuais, o inverso é verdadeiro, ou seja, pacientes com parafilias e alterações da sexualidade podem apresentar anormalidades do lobo temporal. Alguns estudos no travestismo relacionam essa parafilia a um aumento das anormalidades do lobo temporal no eletroencefalograma. Uma série de estudos com tomografia computadorizada sugeriu anormalidades do lobo temporal no sadismo sexual e nas agressões sexuais, mas não na pedofilia e no exibicionismo. Raine analisou estudos de imagens estruturais e funcionais do cérebro em agressores sexuais e sugeriu que as agressões violentas podem associar-se à disfunção frontal, enquanto as agressões sexuais podem associar-se à disfunção temporal (Raine,1998, 2000).
No contexto sexual-cerebral, é interessante observar que pacientes com sintomas hipersexuais são relacionados dinamicamente como tendo história de abuso sexual na infância mas, na ausência de estudos mais acurados, qualquer ligação causal entre esses dois fatos deve permanecer apenas na esfera especulativa.
Complicações Clínicas
As pessoas com Comportamento Sexual Compulsivo podem desenvolver complicações clínicas em decorrência direta de seu comportamento sexual. As complicações, em potencial, incluem lesões genitais (contusões) e doenças sexualmente transmissíveis (hepatite B, herpes simples ou infecção pelo vírus da imunodeficiência humana).
Podem ocorrer lesões físicas nos comportamentos sexuais de alto risco ou na atividade sadomasoquista. Nas mulheres, podem ocorrer gestações não desejadas e complicações de aborto. Alguns pacientes podem ser submetidos a cirurgias desnecessárias, particularmente cirurgia plástica, para aumentar o apelo sexual (implantes de mama, transplantes capilares e lipoaspiração).
Existem muito poucos estudos da psicobiologia da hipersexualidade. Todavia, a literatura realmente sugere a possibilidade de uma neurobiologia para a hipersexualidade. Há evidências de diferentes sistemas cerebrais que podem desempenhar um papel neste transtorno.
Lesões frontais, por exemplo, podem ser acompanhadas por desinibição, por resposta hipersexual impulsiva, enquanto lesões estriatais podem ser acompanhadas por desencadeamento repetitivo de padrões de resposta gerados internamente. Lesões límbicas temporais podem ser acompanhadas por desequilíbrios do próprio apetite sexual, inclusive alteração do direcionamento do impulso sexual.
Complicações Sociais
As pessoas com Comportamento Sexual Compulsivo podem ser responsáveis por algumas complicações sociais sérias. Desafetos com amigos e familiares, envolvimentos policiais, perda de empregos, perda da reputação moral e toda sorte de desadaptação social e familiar em decorrência direta de investidas, assédios e relacionamentos sexuais.
Os valores mais permissivos da sociedade moderna favorecem, sobremaneira, a desenvoltura sexual dos portadores de Comportamento Sexual Compulsivo. Essas pessoas não titubeiam em ceder às facilidades sexuais atuais e não costumam estabelecer limites para sua atividade, podendo envolver-se com menores de idade, prostitutas, homossexuais, enfim, expondo-se a um risco social muito grande.
Complicações Familiares
Os portadores de Comportamento Sexual Compulsivo costumam ser cônjuges complicados. Primeiramente devido ao apetite sexual maior que do(a) parceiro(a), submetendo este(a) à uma atividade nem sempre prazerosa ou desejada. Em segundo, devido às maiores probabilidades à infidelidade e, em terceiro, devido maiores possibilidades de envolvimentos sexuais com amigos ou familiares, aumentando mais ainda o constrangimento.
Complicações Pessoais
O Comportamento Sexual Compulsivo poderá ser egosintônico, como vimos, na eventualidade da pessoa estar consoante ao seu comportamento ou, egodistônico, caso discorde de suas atitudes e se recrimine de sua sexualidade. Essa situação, entretanto, não é fixa e definitiva, isto é, poderá ser egosintônico numa fase da vida ou num momento e egodistônico em outro.
Nas fases mais precoces da vida (adolescente ou adulto jovem), normalmente a pessoa mantém-se de forma egosintônica, com auto-estima elevada devido à aceitação cultura de sua performance e devido ao próprio prazer (mais ou menos inconseqüente) que essa hiperatividade resulta.
Em fases mais tardias a tendência é haver um sentimento egodistônico retroativo, ou seja, com arrependimentos sobre a conduta anterior, lamentações sobre eventuais condições melhores de vida caso fosse mais comedido sexualmente e coisas assim.
Conclusões
Pensa-se sobre a existência de uma síndrome caracterizada por fantasias sexualmente excitantes, recorrentes e intensas, impulsos ou comportamentos sexuais envolvendo padrões que não são suficientemente anômalos para se encaixar na definição de parafilia.
Essa condição parece se associar a morbidade significativa na medida em que produz sofrimento, ansiedade e/ou arrependimento, portanto, sendo mórbida, há quem vê nisso boas razões para colocá-la junto aos transtornos sexuais do DSM-IV (havendo já uma classificação no CID.10 como F52 - Apetite Sexual Excessivo).
Os termos compulsivo, aditivo e impulsivo têm proporcionado um certo valor semiológico à compreensão e diagnóstico de pacientes com hipersexualidade patológica. Entretanto, devemos ter um cuidado especial sobre a possibilidade de se atrelar um rótulo psiquiátrico a toda e qualquer variação do comportamento humano, sob o risco de eximir quaisquer responsabilidades ao arbítrio da pessoa.
Conclui-se, também, haver uma sobreposição ou concomitância entre atitudes de hipersexualidade e outras afecções psiquiátricas, tais como e principalmente, o Transtorno Obsessivo Compulsivo, o Transtorno por Abuso de Substâncias e Transtorno do Controle dos Impulsos, assim como uma sobreposição ou concomitância com alguns Transtornos da Personalidade, notadamente do tipo Histérico e Obsessivo-Compulsivo.
Há ainda possibilidades da hipersexualidade ser apenas um sintoma de outras alterações neuro-psiquiátricas subjacentes, como algumas epilepsias fronto-temporais, disfunções frontais, seqüelas neurológicas de lesões vasculares, demência ou outros quadros organomentais.
Existem autores sugerindo que o Comportamento Sexual Compulsivo possa aparecer de 2 formas; com ou sem Parafilia, obviamente mais patológico quando com Parafilia. Entretanto, em nossa opinião, nada impede que o diagnóstico correto seja de Parafilia com Comportamento Sexual Compulsivo, o que não justificaria “idealizarmos” uma outra patologia nova para um comportamento hipersexual.
Não está claro ainda se a denominação mais correta seria Transtorno Hipersexual, Hipersexualidade Patológica ou Comportamento Sexual Compulsivo, assim como não está perfeitamente estabelecido se existe, de fato, uma doença com essas características. Há dúvidas ainda sobre o fato do comportamento hipersexualizado ser um sintoma de outra patologia psiquiátrica ou, temerariamente, ser apenas uma tendência de psiquiatrizarmos atitudes e comportamentos humanos variantes.
Ballone GJ - Comportamento Sexual Compulsivo - in. PsiqWeb Psiquiatria Geral, Internet, disponível em www.PsiqWeb.med.br, revisto em 2005
Fonte: PSIQWEB
Fonte: PSIQWEB
Nenhum comentário :
Postar um comentário