BEBENDO COM O INIMIGO
Maio de 65. Fugidos do golpe de 64 na Bahia, um grupo de politicos, jornalistas, lideres sindicais e artistas baianos abrigou-se no colo da multipla solidariedade paulista e se escondeu no pequenino apartamento do jovem reporter da “Folha de S. Paulo”, Adilson Augusto, o Brasinha, um generoso santo de 20 anos, ali na Major Sertorio, bem em cima do João Sebastião Bar.
Não era bem um apartamento. Era um quarto de pensão com saleta e banheiro, A Mansarda, no sótão de velho casarão de tres andares, as escadas gemendo e o boliche (depois, Lalicorne) fazendo barulho a noite inteira.
Houve tempo em que dormiam doze, empilhadas pelo chão, obrigando às vezes o dono da casa, que saia do jornal de madrugada, a dormir na escada para não desalojar “os hóspedes”, como só teria feito São Francisco de Assis.
Estamos todos ainda por aí : Mario Lima deputado e líder petroleiro baiano, Helio Duque depois deputado pelo Paraná, Domingos Leonelli depois deputado pela Bahia, Luis Gonzaga depois presidente do MDB de Londrina, José Carlos Capinam o gênio de Soy Loco por Ti América, o publicitario Lamego, eu com meu mandato de deputado pela Bahia cassado, e outros.
Com barbas improvisadas, nomes falsos, identidades forjadas, fazendo biscates em jornais, revistas, livrarias, cada um lutava entre sustos para não ser apanhado antes de livrar-se do IPM e das prisões preventivas decretadas.
Com barbas improvisadas, nomes falsos, identidades forjadas, fazendo biscates em jornais, revistas, livrarias, cada um lutava entre sustos para não ser apanhado antes de livrar-se do IPM e das prisões preventivas decretadas.
Uma noite, aniversario de Mario, fomos todos comemorar no Pilão, saudoso botequim no subsolo de uma galeria entre a 7 de Abril e Itapetininga. Somadas, nossas penas passavam dos 100 anos. E ainda havia os amigos : Antonio Torres o grande romancista de agora, Nelito Carvalho o cronista, etc.
Chegamos discretos, fomos para um canto, pedimos modestas batidas. Ao violão, em vez da crooner de sempre, a loura e meiga Marilu, um senhor de terno e gravata, voz poderosa, melhor do que a de Roberto Jefferson. Aplaudimos.Veio para nossa mesa, pediu um litro de uísque, tira-gostos, tocou e cantou tangos e boleros a noite inteira, recitou poemas, pagou a conta toda.
Manhã cedo, fomos todos embora. No dia seguinte, na primeira página da “Folha”, lá estava ele, nosso bondoso anfitrião. Era o Delegado Geral do DOPS. Se soubesse, podia ter feito a feira conosco. São Paulo é São Paulo. PAULO CUNHA
A Ceagesp, a Central de Abastecimento de São Paulo, ainda na capital mas a caminho de Osasco, até há pouco era um latifundio eleitoral do ex-deputado João Paulo Cunha, que nomeou o ex-presidente Valmir Prascidelli.
O diretor de Abastecimento era Ademir Pereira, irmão do Silvio Pereira, a quem o Papai Noel da Bahia deu um Land Rover zerinho. O diretor Financeiro era, e não será mais, Luciano Belloque, nomeado por José Dirceu.
Ninguem sabia que o PT tinha tantos ruralistas. É por isso que, flagrado em Congonhas com R$200 mil na mala e US$100 mil na cueca, o cearense dos Genoinos disse que o dinheiro era da venda de alface na Ceagesp. Qualquer malandro de cais sabe que, no crime, “alface” quer dizer “dólar”.
Deve ser por obra e graça das “alfaces” da Ceagesp que o colunista Merval Pereira, do Globo, contou que “João Paulo Cunha e o Professor Luizinho tomavam porres de licor no Antiquarius, no Rio” (o mais caro).
O SASCO
Osasco virou matriz de uma interminavel cadeia de misterios. Da Cegesp para o Lixo. No “Estado de S. Paulo”, Ricardo Brandt conta:
- “Financiador do PT em Osasco Aparece no Escândalo do Lixo – Dos R$742 mil recebidos pelo diretorio municipal do partido durante a campanha de Emidio, R$650 mil vieram da Qualix – A empresa de lixo Qualix Serviços Ambientais, investigada por irregularidades na contratação dos serviços de varrição de lixo em São Paulo, foi a maior doadora do diretorio municipal do PT de Osasco, em 2004, na campanha do prefeito Emidio de Souza. A Qualix detem os serviços de lixo na cidade e teve seu contrato aditado em junho. A empresa doou ainda outros R$100 mil diretamente à campanha do prefeito”.
Na CPI do Mensalão, no Congresso, o ET de Varginha Marques Valério disse que parte dos R$4 milhões enviados por ele para a direção nacional do PT foram para as campanhas de Osasco e São Bernardo. O candidato do PT em São Bernardo foi o Dr.Vicentinho, derrotado. A alface deve ter sido pouca.
Na CPI do Mensalão, no Congresso, o ET de Varginha Marques Valério disse que parte dos R$4 milhões enviados por ele para a direção nacional do PT foram para as campanhas de Osasco e São Bernardo. O candidato do PT em São Bernardo foi o Dr.Vicentinho, derrotado. A alface deve ter sido pouca.
S UPLICY
O incansável senador Suplicy passou anos exigindo dos governos Fernando Henrique que o Banco Central revele o nome dos 600 proprietarios, jurídicos e individuais, da Divida Interna, que, segundo o governo, acaba de chegar a R$1 trilhão. Hoje sabe-se que são ainda menos : 420.
Eleito Lula, Suplicy esqueceu. Não faça isso, senador, com os eleitores. Volte ao apelo. O senhor é dos raros que restaram no naufrágio do PT.
DIRCEU
DIRCEU
A garotada se diverte na Internet:
- Inteligente foi Fidel Castro. Segurou José Dirceu seis anos treinando lá em Cuba (de 69 a 75) e nunca deixou que ele voltasse para entrar em guerrilha nenhuma no Brasil. Teria feito tanta lambança que não sobrava ninguem.
P SDB E PT
O PSDB é a UDN da USP. O PT é a UDN de Macacão.
www. sebastiaonery.com.br
No meio da praça do “Campo dei Fiori”, em Roma, cheia de flores, frutos e “finestras” (janelas), com seu mercado aberto e a milenar arquitetura das antiquissimas hospedarias medievais, estou vendo Giordano Bruno, de pé, na estátua negra, denúncia eterna de todos os fundamentalismos:
- “A Bruno, il Secolo da Lui Divinato, Qui, Dove il Rogo Arse” (“A Bruno, o Século por Ele Profetizado, Aqui, Onde a Fogueira Ardeu”).
Nascido em 1548, em Napoles, Giordano Bruno entrou na Ordem dos Dominicanos com 17 anos, ficou lá 10 anos, ordenado padre e doutorado em Teologia. Acusado de heresia, deixou a Ordem e foi ensinar no norte da Itália. Perseguido, refugiou-se na Suíça, França, Inglaterra, Alemanha, Alemanha, voltando a Veneza, onde foi preso pelo Santo Oficio.
A pedido do Papa, as autoridades de Veneza o entregaram ao tribunal da Inquisição de Roma, onde ficou sete anos encarcerado, negando-se a retratar-se de suas doutrinas e, afinal, é queimado vivo no Campo dei Fiori, em 1600.
Durante tres semanas, em Roma, 252 bispos de 118 paises se reuniram com o Papa no que foi chamado de “O Sínodo da Restauração”. “Nem abertura nem reformas. O objetivo é a restauração”, diz o jornalista Juan Bedoya, do “El Pais”, que cobriu o Sínodo.
O Papa Bento XVI, com apenas seis meses de pontificado, pediu aos bispos “propostas concretas para refazer ou retificar o que numerosos prelados chamam, sem meias palavras, de excessos e desvios do Concilio Vaticano II”, que faz 40 anos no Natal.Os bispos deram. Depende agora de o Papa aprovar.
Citando São Paulo e partindo do verbo grego “catartizesthe” (refazer, reparar um instrumento, restituir sua função total), Bento VI, que no Concilio era um jovem teólogo progressista, com propostas reformadoras, diz agora:
- “O objetivo hoje é voltar à perfeição. A tarefa para os apóstolos é a de refazer uma rede que já não está justa, que tem tantos furos que já não serve”.
O Sinodo disse vários “não” a problemas que dividem a Igreja:
1. – O primeiro foi manter o celibato obrigatório dos padres. O cardeal colombiano Castrillon, responsável pela Congregação do Clero, pediu ao Papa que use seu “carisma de pedra” para fechar essa porta de forma definitiva. Também não haverá ordenação sacerdotal de mulheres. E ponto final.
2. – O Sínodo também disse “não” a dar a eucaristia, deixar comungar, a pessoas divorciadas ou separadas que voltem a casar. O tese do relator do Sínodo, indicado pelo Papa, o cardeal patriarca de Veneza, Ângelo Scola, é que “a comunhão não é um direito, é um dom”, e que “os fieis que rompem o casamento, por dolorosas que sejam as circunstancias, não podem ser admitidos à comunhão”. O cardeal espanhol Julian Herranz, presidente do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, protestou, dizendo que “a eucaristia é um direito fundamental do cristão”. Pediu paciência ao Vaticano.
3. – Outro “não, expresso pelo substituto do Papa na Congregação para a Doutrina da Fé (a antiga Inquisição), o norteamericano William levada, é “contra os políticos hipócritas que se dizem cristãos em particular e, em publicoi, desobedecem as doutrinas morais que a Igreja considera básicas”.
4. - O Sinodo “aposta mais na unidade interna e na obediencia ao Papa do que em estreitar laços com seus irmãos separados : protestantes, luteranos, anglicanos, ortodoxos” : - “Não pode haver união sem unidade no governo eclesial”, diz o cardeal Ângelo Soldano, o Secretario de Estado, vice do Papa.
5. – Muitos bispos também se manifestaram contra a “intercomunhão” (admitir a comunhão para os cristãos não católicos, os evangélicos). O bispo da Igreja Anglicana, John Hind, ali como convidado, não gostou e lembrou que há apenas seis meses, em abril, o então cardeal Rtzinger, comungou junto com o evangelico Roger de Taizé, fundador, em 1940, na Borgonha francesa, de uma famosa comunidade ecumênica, e a quem o papa João Paulo II deu a comunhão tres anos atrás. Em 16 de agosto, um louco matou Roger de Taizé.
6. – Outro grande debate do Sínodo foram as “retificações conciliares”, sobretudo a respeito da missa. Querem “acabar com os erros, exageros e experiências de padres que descuidam das cerimônias e permitem cantos e danças não adequadas nas igrejas”. O cardeal Scola negou que se trate de voltar ao latim, como era antes do Concilio, O bispo de Coimbra, Albino Mamede”, explicou : - “Não basta ter o alimento, é preciso saber pôr a mesa”.
Longe dali, em Paris, em um livro desassombrado (“Mon Dieu, Pourquoi”? - “Meu Deus, Por Que?”), o venerando Abbé Pierre, 93 anos, fundador da Comunidade de Emaus e todo ano eleito a personalidade mais popular e querida da França, discute o sexo na Igreja, defende o casamento dos padres, o sacerdocio das mulheres. Mostra que só o fim do celibato acaba com a pedofilia na Igreja. Confessa que teve “relações sexuais com mulheres de maneira passageira e não regular”. E celebra o amor de Jesus e Madalena.
LEMBRANÇAS
DE JUSCELINO
“Tres dias antes de morrer, Juscelino viera de sua fazendinha em Luziania e pernoitara no apartamento do primo Carlos Murilo, em Brasília. Estava triste e deprimido por tantas injustiças e perseguições, e fez a esse seu primo e meu xará a seguinte confissão que, autorizado por ele, agora, pela primeira vez, vou revelar :
- “Meu tempo, aqui na terra, está acabado. Tenho o quê, de vida? Mais dois, tres ou cinco anos? O que eu mais quero agora é morrer. Não tenho mais idade para esperar. Meu único desejo era ver o Brasil retornar à normalidade democrática. Mas isso vai demorar muito e eu quero ir embora”.
Estava sem dinheiro e tomou 10 mil cruzeiros emprestados. Tendo Ulysses Guimarães e Franco Montoro como companheiros de vôo, viajou para São Paulo e desceu em Guarulhos, porque o aeroporto de Congonhas estava fechado. Ficou hospedado na Casa da Manchete, em São Paulo”.
“No dia seguinte, JK despediu-se de Adolfo Bloch, que depois revelava:
- “Ele deu-me um abraço tão forte e tão prolongado que parecia estar adivinhando ser aquele o nosso ultimo encontro. E chegou a mostrar-me o bilhete da Vasp, como prova da sua viagem, naquela noitinha, para Brasília”.
E morreu dormindo. Mas, desde a véspera, havia telefonado para seu fiel motorista, Geraldo Ribeiro, pedindo-lhe que fosse a São Paulo busca-lo de carro, e marcando um encontro no posto de gasolina, quilometro 2 da Dutra.
Pergunta-se hoje : por que Juscelino estava despistando e escondendo a sua real intenção de não ir para Brasília e sim de retornar ao Rio? Não queria que dona Sarah soubesse? Seria algum encontro amoroso?
E era”.
Esta é uma das muitas, numerosas historias contadas pelo veterano jornalista e acadêmico Murilo Melo Filho (nasceu em Natal, com a revolução de 30), com mais de meio século de redações, em seu ultimo livro, “Tempo Diferente” (primorosa edição da Topbooks, breve nas livrarias) sobre 20 personalidades da política, da literatura e do jornalismo brasileiro:
- “Aqui estão contadas historias reais e verazes, acontecidas com tantos homens importantes no universo literário e político do pais, que viveram num tempo diferente” : Getulio, JK, Jânio, Café Filho, Lacerda, Chateaubriand, Tristão de Athayde, Augusto Frederico Schmidt, Carlos Drummond de Andrade, Celso Furtado, Evandro Lins, Austregésilo de Athayde, Guimarães Rosa, Jorge Amado, José Lins do rego, Rachel de Queiroz, Raimundo Faoro, Roberto Marinho, Carlos Castello Branco, Otto Lara Rezende.
Agora que Lula, com a água no queixo, agarra-se à memória de Juscelino como a um tôco na água, e, nesta semana em que ele faria 103 anos, segunda-feira, dia 12, e a imprensa e sobretudo a televisão quase o esqueceram, é bom relembrar outras historias contadas pelo depoimento de testemunha de Murilo, no capitulo “JK, do Seminarista ao Estadista”.
- “Eu era então (em 56) chefe da seção política da “Tribuna da Imprensa”, jornal de oposição, dirigido por Carlos Lacerda, que movia feroz campanha contra JK. Apesar disso, ele sempre me distinguiu com especial atenção e, na sua segunda viagem a Brasília, me convidou para acompanha-lo.
Saímos do Rio num Convair da Aerovias-Brasil e aterrissamos numa pista improvisada, perto do Catetinho, que tinha sido inaugurado no dia 1o de novembro. Às quatro horas da madrugada do dia seguinte, ainda noite escura, JK já estava de paletó esporte, camisa de gola rolê, chapéu de aba larga, botinas e um rebenque, batendo à porta de nossos quartos, e convidando-nos para irmos com ele visitar as obras de Brasília, naquele imenso descampado :
- Aqui será o Senado, ao lado da Câmara, mais adiante os Ministérios. No outro lado, o Supremo e o palacio do Planalto, onde irei despachar”.
- “Naquela nossa primeira noite em Brasília, após um dia de calor escaldante, os engenheiros estavam na varanda do Catetinho, em torno de uma garrafa de uísque, que era bebido ao natural, isto é, quente, porque em Brasília não havia ainda energia eletrica e, portanto, não havia gelo, que era artigo de luxo. Juscelino, presente, comentou :
- Vocês sabem que eu não gosto de uísque. Mas que uma pedrinha de gelo, aí nos copos, seria muito bom, seria.
Nem bem ele acabou de pronunciar essas palavras, o céu se enfaruscou e uma chuva de granizo despencou sobre aquele planalto, levando os boêmios candangos a aparar as pedras, jogar nos copos e tomar uísque com gelo”.
Era o primeiro milagre de Brasilia.
E este bilhete de Adolfo Bloch a Murilo, já na “Manchete” em Brasília:
- “Murillo, ai vai esta lancha para você fazer relações publicas no lago de Brasília. Não faça economia em relações publicas. Nós, os judeus, perdemos o Cristo por falta de relações publicas. E fizemos um mau negocio, porque um homem como aquele não se perde”.
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