segunda-feira, 7 de maio de 2012

Eça de Queirós, Ondas de Solidão



Se possuísse uma canoa e um papagaio, podia considerar-me realmente como um Robinson Crusoé, desamparado na sua ilha. 

Há, é verdade, em roda de mim uns quatro ou cinco milhões de seres humanos. Mas, que é isso? As pessoas que nos não interessam e que se não interessam por nós, são apenas uma outra forma da paisagem, um mero arvoredo um pouco mais agitado. São, verdadeiramente como as ondas do mar, que crescem e morrem, sem que se tornem diferenciáveis uma das outras, sem que nenhuma atraia mais particularmente a nossa simpatia enquanto rola, sem que nenhuma, ao desaparecer, nos deixe uma mais especial recordação. 

Ora estas ondas, com o seu tumulto, não faltavam decerto em torno do rochedo de Robinson - e ele continua a ser, nos colégios e conventos, o modelo lamentável e clássico da solidão. 


Eça de Queirós, in 'Correspondência'

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